A doação de órgãos pode ocorrer após a morte ou em vida, e é um gesto altruísta considerado como o maior ato de bondade entre os seres humanos.
Doação após a morte
O sistema Portugués consagra, desde 1993, o sistema de doação presumida mas, também, o direito de oposição à dádiva. A pessoa adquire à nascença o estatuto de dador. De acordo com a Lei n. º 12/93, de 22 de abril, alterada e republicada pela Lei n.º 22/2007, de 29 de junho, são considerados como possíveis dadores todos os cidadãos nacionais e os apátridas e estrangeiros com residência permanente em Portugal que não tenham manifestado a sua indisponibilidade para a dádiva.
O direito de oposição à dádiva pode ser exercido através da inscrição no Registo Nacional de Não Dadores (RENNDA), acessível em qualquer centro de saúde, podendo, a inscrição como não dador, ser revogada a todo o tempo.
A colheita de órgãos após a morte só pode iniciar-se após consulta ao RENNDA e desde que verificada a não oposição à dádiva.
Doação em vida
A doação em vida de um órgão é uma alternativa terapêutica muito importante para dar resposta às necessidades dos doentes e ultrapassar o problema da escassez de órgãos.
A dádiva de um dos rins ou de parte de fígado (órgão regenerável) são as mais comuns.
O dador tem de ser maior de idade e gozar de boa saúde física e mental.
A doação em vida é, contudo, complementar em relação à dádiva após a morte, só sendo admissível quando não esteja disponível um órgão de dador falecido e não exista outro método terapêutico alternativo de eficácia comparável, de acordo com o artigo 6.º da Lei n.º 22/2007, de 29 de junho.
A doação de um órgão a um determinado doente/recetor, denominada por doação dirigida, só pode ocorrer quando entre o dador e o recetor exista uma relação genética (exemplo: irmãos) ou um vínculo afetivo (exemplo: cônjuges).
Nos casos em que não há relação genética ou emocional entre o dador e o recetor (doação não relacionada), a doação em vida pode ocorrer no âmbito do Programa Nacional de Doação Renal Cruzada, existente em Portugal desde 2010, que permite a troca de rins entre dois ou mais pares dador – recetor desconhecidos, com o objetivo de ultrapassar restrições imunológicas, nos termos da Portaria n.º 802/2010, de 23 de agosto, e da Circular Normativa IPST N.º 003/2018, de 19 de julho.
A doação em vida não relacionada é, ainda, admissível entre um dador anónimo e um recetor desconhecido, comumente conhecido por dador “samaritano”, mas denominada por doação não-dirigida ou anónima.
Neste caso, o órgão deve ser atribuído ao recetor mais compatível de entre todos os doentes que se encontram inscritos na lista de espera nacional a aguardar transplante com um órgão de dador falecido. A seleção do doente é feita de acordo com critérios clínicos previamente definidos, como a urgência clínica, a compatibilidade imunogenética, a preferência e prioridade (exemplo: doentes pediátricos). Tratando-se de um dador “samaritano” de rim, este órgão é preferencialmente alocado ao programa de doação renal cruzada com dador vivo, tendo em conta o benefício esperado de realização de um maior número de transplantes.
Natureza anónima e confidencial da dádiva
Com exceção dos casos em que entre o dador e o recetor existe uma relação genética ou um vínculo afetivo, a dádiva é anónima e confidencial, não podendo o dador identificar o recetor e vice-versa.
Gratuitidade da doação
A doação de órgãos assenta no princípio da dádiva voluntária e não remunerada.
A dádiva e colheita de órgãos em troca de ganhos financeiros ou vantagens equivalentes ao dador ou a terceiros constitui um crime de tráfico de órgãos nos termos do n.º1, alínea b), do artigo 144.º-B da Lei n.º 102/2019, de 6 de setembro, que acolheu as disposições da Convenção do Conselho da Europa contra o Tráfico de Órgãos Humanos no Código Penal Português.
Os dadores vivos têm, contudo, o direito a receber uma compensação estritamente limitada a cobrir as despesas efetuadas e a perda de rendimentos relacionados com a dádiva, tal como previsto no artigo 5.º da Lei n.º 22/2007, de 29 de junho, e no artigo 4.º da Lei n.º 36/2013, de 12 de junho.
Os dadores vivos têm, ainda, direito a receber uma compensação na eventualidade de complicações resultantes do processo de dádiva e colheita, nos termos do Decreto-Lei nº 168/2015, de 21 de agosto.
Consentimento para a doação em vida
A dádiva em vida só é aceitável quando o dador dá o seu consentimento de modo livre, esclarecido e informado, e prestado por escrito, de acordo com o disposto no artigo 8.º da Lei n.º 12/93, de 22 de abril, alterada e republicada pela Lei n.º 22/2007, de 29 de junho.
Previamente ao consentimento o/a médico/a responsável deve informar, de modo leal adequado e inteligível, a pessoa candidata à doação em vida acerca do procedimento cirúrgico de colheita de órgão, de todos os riscos possíveis da dádiva (físicos, psicológicos, sociais), das suas consequências, tratamento necessário e efeitos secundários, bem como dos cuidados subsequentes a observar a curto e a longo prazo.
Procedimento de avaliação de candidatos à doação em vida
1. Avaliação médica
É realizada com base no estado de saúde e história clínica da pessoa candidata à dádiva, por uma equipa médica multidisciplinar com experiência na doação em vida, da unidade de transplantação onde se encontra inscrito o doente. São sempre proibidas a dádiva e a colheita de órgãos quando, com elevado grau de probabilidade, envolvam a diminuição grave e permanente da integridade física ou da saúde do dador.
2. Avaliação psicológica e/ou psiquiátrica
A avaliação psicológica e/ou psiquiátrica é conduzida por profissionais especializados em saúde mental, consiste numa entrevista que permita compreender, entre outros, as motivações da pessoa candidata à dádiva e conhecer o seu trajeto altruísta, e avaliar se a dádiva é voluntária (sem qualquer tipo de coação, seja social, psicológica ou física), e gratuita.
No caso de uma pessoa candidata à doação samaritana, por se tratar de uma doação a um recetor desconhecido, esta avaliação é mais extensa e a decisão final sobre a aceitação de um candidato dependerá, ainda, de uma segunda avaliação psicológica e psiquiátrica, a qual só poderá ser realizada após um período de 3 meses, a contar da primeira avaliação, com o objetivo de permitir ao dador uma tomada de decisão plenamente consciente e refletida.
3. Avaliação social
É realizada por um profissional de serviço social, e tem como objetivo conhecer a situação económica e social dos candidatos à dádiva, dando-se especial importância ao suporte familiar do dador e à sua condição económica, uma vez que a dádiva em vida deve realizar-se de modo a minimizar não só os riscos físicos e psicológicos como, também, sociais.
4. Avaliação por parte de uma Comissão de Ética
Concluída a avaliação médica, psicológica e/ou psiquiátrica, e caso não se verifique nenhuma contra-indicação à doação em vida, a aceitação de um candidato está, ainda, dependente de um parecer favorável de um órgão independente, uma comissão de ética designada por Entidade de Verificação da Admissibilidade da Colheita para Transplante (EVA), existente em todos os hospitais onde se realize a colheita em dadores vivos, regulamentada nos termos do Despacho n.º 26 951/2007, de 26 de novembro.
Solicitação ou recrutamento de dadores vivos
Nos termos do n.º 3 do artigo 144.º-B do Código Penal Quem, com a intenção de obter, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, solicitar, aliciar ou recrutar dador vivo para fins de doação de órgão é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.
De acordo com o artigo 6.º da Lei n.º 36/2013, de 12 de junho, É proibida a publicidade sobre a necessidade de órgãos ou sobre a sua disponibilidade, quando tenha por intuito oferecer ou procurar obter lucros financeiros ou vantagens equivalentes.
Os centros de transplantação com programa de dador vivo são responsáveis pela avaliação de candidatos à doação em vida, garantindo os seus direitos, liberdade de decisão, voluntariedade, gratuitidade e altruísmo.
Quaisquer dúvidas sobre o processo de doação em vida devem ser esclarecidas junto dos centros de transplantação ou do Instituto Português do Sangue e da Transplantação.